quinta-feira, 5 de março de 2015

Alves 2016

Por Matilde Real, com 15 anos quando o Zé nos deixou

Verão de 2010


O tio Zé Alves morreu em Dezembro de 2010. Foi um dos nossos amigos mais queridos, mais aconchegantes. Já lá vão quatro anos e ainda consigo ouvir a sua voz ao meu lado a suspirar, com uma desconsolação divertida: “A menina tem é de ver o Deer Hunter", filme que idolatrava.

Fomos aos Açores, era eu ainda criança. Fizemos inúmeras caminhadas, explorando a selva de Portugal. A sua casa era única, forrada de alcatifa felpuda em todas as superfícies, com artefactos dispostos em prateleiras dignos de pertencer ao Louvre, e onde ao fim de tantos anos comíamos sempre o mesmo ao jantar: bife com batatas fritas!

Todos os Verões passávamos férias em Odeceixe. O tio Zé adorava as partidas de cartas que se faziam à noite, onde ensinava os jogos que só ele conhecia, convocando a boa sorte ao chamar por “Jedai!” Os passeios à Ponta Branca e as grandes jantaradas eram essenciais. Lembro-me de dançar com o João sobre o capô do grande Mercedes, saltando para o chão antes que o tio Zé reparasse.

Em 2007, na praia, atravessámos o rio, fomos até às rochas e escrevemos o nosso nome em pedras que deixámos apoiadas na falésia, para que o mar as levasse. Reparei na pedra do tio Zé, onde escrevera “Alves 2009”. Explicou-me que era um extraterrestre do futuro, deixando ali a sua marca. A escrita do nome em Odeceixe tornou-se desde então num ritual de Agosto. O tio Zé partiu entretanto, mas cada Verão continuo a ir às rochas, escolho uma pedra lisa, toda preta, e escrevo “Alves” e data, somando dois anos àquele em que me encontro. Este Verão foi 2016. O tio Zé sobrevive no futuro.



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